sábado, 19 de janeiro de 2013

Vida Cretina

Ricardo chegou cansado de mais um dia de trabalho, sentou-se para ver um pouco de TV enquanto as mãos caçavam o cigarro entre os cacarecos sobre a mesa ao lado. Não queria contato com ninguém, de nenhuma forma, queria ficar ali, sozinho e desejando que o mundo acabasse naquele instante; desejando que assim, sem mais e nem menos, tudo virasse pó, inclusive ele. As mãos não encontraram o cigarro, mas encontram um velho lápis. Era isso: precisava esquecer-se do dia caótico que tivera e escrever era a melhor forma para deixar tudo para trás. Só escrever. Escrever qualquer coisa. Colocar tudo no papel. E escreveu:

“O mundo pesa nas minhas costas e eu tento carregá-lo.
Desmorono e tento não feri-lo.
Em qual parte da vida eu assumi o papel de pai, de irmão mais velho, de marido, de amigo ouvinte e de amante babaca e sonhador?
Em qual parte da vida meus sonhos confundiram-se com os de outras pessoas e acabaram perdendo-se?
A vida me engole aos poucos e, quando penso estar acostumado, aconchegado em suas tripas, ela me devolve, me cospe fora. Me faz aprender tudo de novo, às vezes de maneiras diferentes.
Sorrio irônico e ela, com um leve tapa nas minhas costas, diz para seguir em frente, diz para pegar meu filho-mundo nas costas, botar o pé na estrada e carregá-lo até encontrar uma nova miragem, um recomeço, um oásis sem tanta sede para ser saciada.
E eu falho. E tudo recomeça.
A vida me engole de novo. Essa cretina. Ordinária!

Nesse novo percurso, encontrarei novos amores, novas ilusões, antigas e mal resolvidas paixões e um bocado de desespero. Tentarei matar a fome e a sede dos que me cercarem enquanto rôo as unhas e tropeço. Enquanto esbravejo após o despertador tocar.
Carrego o mundo nas costas enquanto a saudade caminha silenciosa de mãos dadas ao meu lado.”

Escreveu só isso. Leu, sorriu, amassou a folha, jogou fora e foi dormir. A labuta o chamaria novamente logo pela manhã.

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