quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Interdição

Estava num café esperando por um amigo. Enquanto o tempo passava, fiquei observado o ambiente. Outra mulher estava sozinha a poucas mesas de distância, também esperando alguém atrasado. O atrasado dela chegou antes da minha. Vi quando ela se levantou para cumprimentá-lo. Derem-se dois beijinhos. Os dois beijinhos mais vacilantes e constrangedores que podem ocorrer entre um casal. Talvez fosse delírio meu, mas tenho quase certeza de que eram ex-amantes, ex-amantes, ex-namorados, ou um ex-marido e uma ex-esposa que haviam terminado a relação a poucos dias atrás, no máximo alguns meses atrás. É uma cena clássica. Depois de meses ou anos de amor e intimidade, a relação se desfaz. Os dois juraram nunca mais se ver, se odeiam por algumas semanas, tem mágoas um do o outro, até que um dia surge uma pendencia pra ser conversada ou simplesmente resolvem tomar um drinque pra provar pro mundo que a amizade prevaleceu, cenas aparentemente civilizadas que trazem significados ocultos. Ou pior: encontram-se sem querer no meio da Av. Paulista, num corredor de shopping, num quiosque de mercado público. Você aqui? Que surpresa. E os dois beijinhos saem de forma desengonçada que seria motivo para rir, não fosse de chorar. Interdição do Corpo. Um dos troços mais sofridos de um final de relacionamento, que só vai experimentar de um tempo afastados. Uma coisa é você ficar racionalizando sobre o desenlace trancafiada no quarto, ele ficar ruminando sobre as razões do rompimento enquanto trabalha. Uma coisa é você chorar durante o banho para disfarçar os olhos inchados, ele falar mal de você em bares, fingindo que se livrou da Dona Encrenca. Uma coisa é você consultar uma cartomante a fim de acreditar em dias mais promissores, ele sair com umas lacraias bonitinhas pra provar que te esqueceu. Outra coisa é quando os dois se encontram, cara a cara, depois de semanas ou meses apenas se imaginando. Ele está ali na sua frente. Mas você não pode agarrar seus cabelos, não pode passar a mão no seu peito, não pode rir de uma piada interna que só pertence aos dois, porque está oficializado que nada mais pertence aos dois. Ela está ali na sua frente. Mas você não pode mais dar uma beliscadinha na sua bunda, não pode mais beijá-la na boca, não pode mais dizer bobagem no pé seu ouvido, porque está oficializado que ela agora é apenas uma amiga, e não se toma esse tipo de liberdade com amigas. Depois de terem vivido, por meses, talvez anos, a proximidade mais libidinosa e abençoada que pode haver entre duas pessoas que tinham um sentimento forte, que nem souberam o que chegou a ser, ou que eram apaixonadas, vocês agora estão proibidos ao toque. Não se amam mais, é o que ficou decretado. Logo, os códigos de aproximação mudaram. Você dará dois beijinhos na mulher que tantas vezes viu nua, como se ela fosse uma prima. Você dará dois beijinhos no homem pra quem tanto se expôs, como se ele fosse um colega de escritório. O corpo interditado. Você não pode mais tocá-lo, você não pode mais tocá-la. O definitivo sinal de que o fim não era uma ilusão.

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