domingo, 15 de julho de 2012

OCA

Eu viajo nos meus pensamentos, assim que eu fecho os olhos, pra me perder mesmo, e em uma dessas viagens eu fui parar no lugar mais calmo durante o ano todo, a oca do Ibirapuera. O projeto de Oscar Niemeyer para o parque Ibirapuera, traçado em 1951 foi feito para comemorar o quarto centenário que a cidade de São Paulo comemoraria em 1954. Ganhou vida nova, livre dos acréscimos e ocupações inadequados que o tempo se lhe impôs. O lugar é como uma ferida, um coração partido ao qual você se apega pois a dor é boa. Aí eu me lembrei de tudo o que foi dito, de tudo o que foi escrito, e por fim, do nosso último encontro. É sabida a dor que advém de qualquer separação, ainda mais da separação de duas pessoas que se amaram muito e que acreditaram um dia na eternidade deste sentimento. A dor-de-cotovelo corrói milhares de corações de segunda a domingo, principalmente hoje (Domingo), quando quase nada nos distrai de nós mesmos, e a maioria das lágrimas que escorrem é de saudade e de vontade de rebobinar os dias, viver de novo as alegrias perdidas. Eu, acostumada com esta visão dramática da ruptura, foi com surpresa e encantamento que ouvi a sua descrição sobre a nossa separação. Provavelmente nos separamos por que levamos a infecção do outro até aos limites da autenticidade, por que temos coragem de nos olharmos nos olhos e descobrir que o amor de ontem merece mais do que o conforto dos hábitos e o conformismo da complementaridade. A nossa separação foi o ato de absoluta e radical união, a ligação para a eternidade de dois seres que um dia se amaram demasiadamente para poderem amar-se de outra maneira, pequena e mansa, quase vegetal. Só nós dois sabemos que não se trata de sucesso ou fracasso. Só nós dois sabemos que o que se sente não se trata. E é em nome deste intratável que um dia nos fez estremecer que agora nos separamos. Para lá da dilaceração dos dias, dos livros, discos e filmes que nos coloriram a vida, encontramo-nos agora juntos na violência do silêncio, na ausência um do outro como já não nos lembrávamos de ter estado em presença. Despedir-me desse amor é me despedir de mim mesma. É o arremate de uma história que terminou, externamente, sem nossa concordância, mas que precisa também sair de dentro da gente. Gostar de alguém é função do coração, mas esquecer, não. É tarefa da minha e da sua cabecinha, que aliás é nossa em termos: tem alguma coisa lá dentro que age por conta própria, sem dar satisfação. Quem dera um esforço de conscientização resolvesse o assunto. Livrar-se de uma lembrança é um processo lento, impossível de programar. Ninguém consegue tirar alguém da cabeça na hora que quer, e às vezes a única solução é inverter o jogo: em vez de tentar não pensar na pessoa, esgotar a dor. Permitir-se recordar, chorar, ter saudade. Um dia a ferida cicatriza e você, de tão acostumada com ela, acaba por esquecê-la. Com fórceps é que a criatura não sai. Todos queremos que as coisas permaneçam iguais. Aceitamos viver infelizes porque temos medo da mudança, que as coisas acabem em ruínas. Aí, eu olhei esse lugar, o caos que ele suportou, o modo como foi adaptado, queimado, pilhado e depois encontrou uma maneira de ser reconstruído, e eu me tranquilizei. Talvez minha vida não esteja sendo tão caótica. O mundo que é, e a única armadilha real é de nos apegarmos às coisas. A ruína é uma dádiva. A ruína é o caminho que leva à transformação.

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