sexta-feira, 25 de maio de 2012

Quem tem medo de TPM?

Abriu a porta de casa como se quisesse estuprar a inocente fechadura e logo percebi que mamãe estava possuída pelos efeitos do furação “El Chico”, ou seja, com o humor amigável de um serial killer e o sorriso contagiante de um diabo-da-tasmânia em dia de engarrafamento. Senti uma vontade súbita de colocar meu tênis, um colete à prova de TPM, abrigar meu irmão em um lugar seguro e me esconder debaixo da cama, com medo dela chegar de repente e cravar um salto agulha de quinze centímetros direto no meu pâncreas, incomodada com as minhas roupas penduradas no quarto ou apenas emputecida com a toalha ainda úmida que deixei sobre a cama. Pensei também em fazer uns nós no lençol e descer utilizando técnicas de rapel do sétimo andar do meu apartamento, de verdade, naquele momento essa modalidade de fuga parecia a atitude mais segura a ser tomada. Eu ficaria uns dias longe da minha mãe, iria para casa da minha avó ou pediria asilo na toca de algum amigo com barriga de chope, que certamente me acolheria com a geladeira cheia de cervejas, vodca e a televisão sempre sintonizada no futebol. Qualquer portador do cromossomo Y entenderia minha fobia por mulheres prestes a sangrar, rolar de cólica e ficar com os seios mais sensíveis do que o testículo de um filhote prematuro de chiuaua. E isso por que eu também sou uma mulher. Eu assumo, já tive pavor de tudo que me lembrava sangramento todo mês, pois eu sempre soube que antes de liberaremos esses glóbulos vermelhos no mundo, nos tornamos as mais sensíveis assassinas e devoradoras de chocolate que habitam o planeta Terra. Eu evitava a gôndola de absorvente dos supermercados da mesma forma que deixo de passar debaixo de escadas. Pura superstição. Quando estava na mesma cama que a minha mãe na tal da tensão pré-menstrual, eu dormia com o olho esquerdo aberto com medo de ter uma faca no meu pescoço, desencadeado por um pesadelo qualquer. Nesse dia, fui diferente: resolvi deixar essa mulher covarde de lado e enfrentar a leoa de frente, de peito aberto, sem medo dos possíveis arranhões e daqueles olhos que há qualquer momento, sem motivo aparente, poderiam hidratar o mundo com um enorme vazamento de lágrimas. Os passos dela estavam cada vez mais audíveis, o salto batia forte no piso de madeira e eu precisava pensar rápido no que fazer… "Boa-noite", ela disse com um sorriso meigo além da conta e uma voz doce de criança abandonada. Não pensei duas vezes e corri para abraçá-la, com a gana de tornar meu ato o laço mais acolhedor e apertado que dois corpos podem gerar sem que haja fusão de matéria. Tasquei-lhe um beijo demorado bem na bochecha esquerda e deitei suavemente a cabeça dela sobre meu ombro. Deixei-a respirar fundo por cinco segundos, não mais que isso, sabia que se prolongasse aquele colo vertical logo haveria lágrimas pousando sobre a lapela da minha camiseta. Dei-lhe a mão, ou melhor, entreguei-lhe minha segurança máxima. Conduzi-a como um guia experiente até o sofá da sala e lá dei play no rádio, tive que ser ninja, pois era Marisa Monte que ali cantava e tive que calá-la antes que ela percebesse a agonia extrema daquela voz. Tirei a televisão da tomada, não queria que ela desse de cara com o lado triste do mundo, não naquela noite. Ela me perguntou se eu a achava gorda e só com o olhar a fiz sentir-se anoréxica, me falou que estava ficando velha e eu disse que queria a por perto enquanto eu tivesse a chance, me questionou se eu a achava chata e a calei dizendo que a amava (mesmo não demostrando a todo momento isso). Antes mesmo dela me dizer que estava sedenta por glicose nas veias eu já estava na cozinha, transformando leite condensado em brigadeiro. Não tínhamos granulado, mas em nossa gaveta havia três colheres e em nossa casa existia um sofá, grande e só nosso, que naquela noite foi o palco perfeito para nossa lambança. Desviei dos possíveis tapas com maestria e elegância, sem covardia. Enxuguei as lágrimas dela antes mesmo das águas nascerem nos canais lacrimais. Mantive minha postura firme e acolhedora até o dia que ela começou a sangrar. Ela sangrou, nós duas sorrimos. Ninguém saiu ferido e nesse dia fui jogar futebol sem peso, deixando o resto da responsabilidade com o absorvente, sem precisar me preocupar se este terá abas ou não.

Nenhum comentário:

Postar um comentário